Em 14.04.2020, foi publicada a Lei 13.988/2020 (“Lei do Contribuinte Legal”), decorrente da MP 899/2019, que instituiu a possibilidade de transação de dívidas com a União.

A transação tributária era prevista desde 1966 no Código Tributário Nacional, mas só passou a ser disciplinada em lei no ano passado, com a edição da MP. O instrumento se aplica a todos os contribuintes que tenham débitos federais inscritos em Dívida Ativa ou pendentes de discussão administrativa, exceto devedores contumazes. A definição de devedor contumaz será dada por nova lei, pendente de edição. Há duas modalidades de transação: por proposta individual ou por adesão. A transação por proposta individual só pode envolver débitos inscritos em Dívida Ativa, ao passo que a transação por adesão pode ser realizada em todos os casos.

Mostramos a seguir quais mudanças foram mais favoráveis aos contribuintes e quais foram mais favoráveis à Fazenda.

Alterações favoráveis aos contribuintes

A lei incluiu as autarquias e fundações entre as partes que podem realizar a transação com os contribuintes, enquanto a MP previa apenas a União Federal.

Todos os termos de transação celebrados deverão ser divulgados em meio eletrônico.

Foi incluída a previsão de que, nas transações em que houver redução do valor do crédito, serão reduzidos na mesma proporção os encargos por inscrição em dívida ativa (que correspondem a 20% do crédito).

Novidade relevante é a possibilidade de transação de débitos do FGTS. Essa transação só poderá ser rejeitada se o Conselho Curador do FGTS apresentar manifestação expressa e fundamentada nesse sentido, no prazo de 20 dias a contar da proposta de transação individual ou da publicação de edital.

A lei também passa a permitir a transação de débitos do Simples Nacional, a partir da publicação de lei complementar autorizativa.

Foi incluído dispositivo segundo o qual, para os efeitos da Lei, se considera microempresa ou empresa de pequeno porte a pessoa jurídica cuja receita bruta seja inferior a 4,8 milhões de reais por ano, independentemente de a empresa ter aderido a regime jurídico específico para ME ou EPP.

O prazo para quitação de débitos de pessoas naturais, microempresas e empresas de pequeno porte foi aumentado para 145 meses. Além disso, esse prazo estendido agora inclui instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei 13.019/2014.

Foram retiradas as vedações à transação de multas por lançamento de ofício, que estavam presentes na MP. Pelo texto da lei, todas as multas podem ser objeto de transação, exceto as de natureza penal.

A lei retirou o dispositivo, previsto na MP, que permitia que a Fazenda requeresse a falência do contribuinte que descumprisse suas obrigações na transação. Ressalte-se que a Fazenda Pública nunca pôde requerer a falência de qualquer pessoa jurídica, de modo que, se mantido, o dispositivo teria criado uma desvantagem nova para os contribuintes.

A lei inclui as reclamações entre as hipóteses de “pendência de decisão judicial” que permitam a celebração da transação.

Quanto ao tema da desistência de discussões administrativas ou judiciais, a nova lei traz uma ressalva relevante. Pela redação da MP, o contribuinte que aderisse à transação deveria se sujeitar ao entendimento da administração tributária. A nova lei ressalva esse dispositivo com a previsão de que essa renúncia não se aplica caso sobrevenha precedente persuasivo dos Tribunais Superiores (por exemplo, súmula vinculante ou julgamento em sede de recursos extraordinários ou especiais repetitivos). No mesmo sentido, foi proibida a transação que contrariasse esses precedentes, quando já estivessem firmados.

A definição de crédito irrecuperável ou de difícil recuperação, na MP, ficava a critério da autoridade fazendária. A lei determina que essa definição será dada por ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional

A lei passou a incluir entre os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação aqueles devidos por empresas em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência.

Por fim, a lei passou a dispor que, na transação, poderão ser aceitas quaisquer modalidades de garantia previstas em lei, inclusive garantias reais ou fidejussórias, cessão fiduciária de direitos creditórios, alienação fiduciária de bens móveis, imóveis ou de direitos, bem como créditos líquidos e certos do contribuinte em desfavor da União, reconhecidos em decisão transitada em julgado.

Alterações desfavoráveis aos contribuintes

Foram acrescidas novas hipóteses de rescisão da transação: prevaricação, concussão, corrupção passiva, dolo e fraude.

Foi vedada a adesão de devedor contumaz à transação.

Foi incluído dispositivo segundo o qual os atos que dispuserem sobre a transação poderão condicionar sua concessão à observância das normas orçamentárias e financeiras.

A lei passou a dispor que, na transação de litígios aduaneiros ou tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica, a proposta de transação deverá, preferencialmente, versar sobre controvérsia restrita a segmento econômico ou produtivo, a grupo ou universo de contribuintes ou a responsáveis delimitados. Além disso, a lei passa a dispor que se considera controvérsia jurídica relevante e disseminada a que trate de questões tributárias que ultrapassem os limites subjetivos da causa.

A lei passou a vedar expressamente a proposta de transação com efeito prospectivo que resulte, direta ou indiretamente, em regime especial de tributação. Também passou a vedar que o contribuinte com transação rescindida realize nova transação, pelo prazo de 2 anos.

Foi acrescido um novo capítulo para tratar especialmente da transação envolvendo débito fiscal ou controvérsia de pequeno valor (até 60 salários mínimos), que será regulamentada pelo Ministério da Economia.

Por fim, foi incluída uma alteração aguardada pelos contribuintes e que provavelmente lhes será benéfica: a lei extinguiu o voto de qualidade no CARF, instrumento que dava à Fazenda Pública o voto de desempate nos julgamentos administrativos.

A lei entrou em vigor em 14.04.2020, com exceção dos dispositivos sobre o contencioso tributário administrativo de pequeno valor, que entrarão em vigor em 180 dias a contar da publicação da lei.